Um Caboclo Deslocado Num Mundo Destrambelhado (Poesia) Compositor: Antônio Robson Maciel de Aquino
Um caboclo sentado na calçada
Vigiando um passado que não volta
A mulher debruçada sobre a porta
Relembrando de tempos tão ausentes
Onde a vida cabia num repente
E a beleza, em sua poesia
Pendurada num canto, suja e fria
A viola não toca, é só gemido
E o matuto confuso e tão perdido
Já não sabe sentir mais alegria.
O lugar do seu velho alazão
Foi tomado por um bicho de lata
A carroça não mais tem quatro patas
Os pneus que eram dois,
hoje são quatro
A tristeza de ver esse retrato
Corta o peito do homem
sertanejo
Deslocado do tempo, num despejo
Se revolta sem ter como lutar
O futuro chegou sem perguntar
Se de fato era esse o seu desejo.
Um olhar pelo canto da fazenda
A certeza que tudo está mudado
Suas mãos não ordenham mais o gado
Uma máquina faz tudo, passo a passo
E a lenha arranca à força, a braço
Encostada não vence o fogo a gás
E o coitado não mais sabe o que faz
Suas forças sem uso vão embora
Nesse instante, momento, nessa hora
Se pergunta do que ele é capaz.
O futuro atracou muito depressa
E pegou o matuto descuidado
Seu saber declararam limitado
Serventia tem pouca no presente
Conhecer todo tipo de semente
Não lhe torna importante, hoje em dia
E a mão que plantava e que colhia
Limitou-se a regar o já nascido
Sua vida perdeu todo sentido
Já não pode fazer o que fazia.
Os seu filhos não têm mais referências
Aos seus santos não têm menor respeito
Padre Cícero pra eles é um sujeito
Que não teve importância pro sertão
A verdade ta na televisão
Fora dela é perdido acreditar
Pro caboclo isso é jeito de afrontar
Que releva o saber fora da escola
É um homem que tem, mas pede esmola
É um rico sem ter pra quem doar.
Essa dura aflição em que se encontra
É tortura que bate sem piedade
É mentira insistindo em ser verdade
De tão triste se perde num lamento
Não divide com outro o sofrimento
Pra não se deixar ver desfalecido
Mas o corpo se entrega abatido
Por viver num lugar que não é seu
Onde o mundo se acha, está perdido.
Covardia o moderno fez com ele
Pois seu mundo é tão simples em
demasia
Não carece de tecnologia
Pra comer, pra vestir, pra se alegrar
É só ter um cantinho pra plantar
E ter fé pra chover, que logo brota
Uma camisa, uma calça, um par de botas
A latada e um chão todo batido
Que a sanfona animada de Eronildo
Dá o toque final que ele gosta.
Não é fácil sair do seu lugar
Residir em outro canto tão estranho
Compreender o limite e o tamanho
Sem poder ao seu modo optar
Perceber toda cena se formar
E o moderno, do nada, eclodir
E o caboclo sem ter pra onde ir
Pega sonho, passado, tudo e junta
Matutando então ele se pergunta:
-Que danado é que eu to fazendo aqui?
Mais descrição sobre o caboclo na página 174 do livro: Miolo-de-Pote.
Postado por: Jullyene Karolynne.
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